domingo, 29 de junho de 2008

Portugal

A Gotika, num dos seus muitos posts sobre a situação do país, desafia os leitores a escreverem sobre as razões pelas quais chegamos aqui, isto é, à situação de depressão estrutural e beco sem saída na sociedade portuguesa.

Parte I

Este comentário começa há mais de 500 anos atrás…

Não sou historiador, mas já li o suficiente sobre história para compreender que as opções que se fazem ao longo da vida influenciam o que somos e o que nos tornamos. Se um adolescente com 18 anos é confrontado com a hipótese de roubar ou não roubar um automóvel, a opção escolhida determina, por vezes de modo decisivo, o seu futuro. Assim aconteceu, segundo me parece, com o nosso país. Em Portugal, a expansão colonial foi largamente moldada pelas escolhas da Coroa, ao ponto do Estado se designar como Patrimonialista: todos vivem à custa do Estado e não há diferença entre o património do Estado e os bens privados do Rei. Quando algum nobre mais aventureiro se propunha fazer uma viagem, o Rei financiava toda a empreitada, minimizando o risco, no sentido económico do termo. E foi assim que aprendemos a viver à custa da Coroa. A nobreza, o clero e, mais tarde, a burguesia cresceram à sombra do Estado. Enquanto os holandeses criavam companhias comerciais com investimentos privados, cujo risco era suportado essencialmente por particulares, os portugueses mantinham a sua relação de quase filiação com o Estado.

Fast forward para o século XX…

É habitual fazer-se a comparação, absurda diga-se, entre ditaduras de direita e de esquerda. Em termos de crueldade, não há diferenças entre Hitler e Estaline. Mas existe uma diferença crucial entre o salazarismo português e o comunismo da Europa de Leste. Enquanto, em Portugal, a população era mantida na mais penosa ignorância por parte do poder político, a generalidade dos países do Bloco de Leste (talvez com a excepção da Albânia) prosseguia campanhas de alfabetização das massas, que conduziram a taxas de escolarização superiores a 80%. Esta diferença explica quase tudo, mas é sobretudo útil para compreendermos porque razão estes países se desenvolvem agora tão rapidamente, ultrapassando Portugal a toda a velocidade. Esses países optaram pelo sistema económico “errado”, mas essa escolha revelou-se substancialmente menos penalizadora do que a “nossa” escolha “errada” de manter o povo na ignorância. Se quase todos os ex-países comunistas têm demonstrado que a transição para o capitalismo pode ser feita de modo suave, Portugal atesta também que a transição para uma sociedade com elevados standards educacionais e cívicos só pode ser suave, ou melhor dito, lenta. Em parte, só nos resta esperar…

Parte II

Quando escrevi Sabes, gostava de ter mais alunos/as como tu, mas, em vez disso, apanho com a massa amorfa que essa geração que tanto criticas educou”, não estava a lamentar a falta de qualidade dos alunos. Sou professor há 14 anos e, ao longo deste período, sempre tive alunos dedicados, alunos preguiçosos, alunos assim-assim, alunos geniais (uns 3 ou 4 levaram 19 valores) e outros que nunca deveriam ter entrado na universidade. Tenho assistido a um decréscimo na capacidade de expressão escrita e a uma alarmante diminuição da cultura geral dos alunos. Na minha disciplina de Políticas Públicas, cheguei a ter fervorosas discussões sobre as escolhas políticas dos nossos governos, com alunos que estavam informados e eram excelentes a argumentar. Hoje em dia, só nas aulas de Mestrado… Mas, nem tudo é negativo. Verifiquei ganhos substanciais na relação com a tecnologia e uma diminuição da dificuldade em aceder aos professores, também por abertura destes. Mas não é sobre isto que me lamento quando menciono a “massa amorfa”. O problema é mais profundo do que isso.

E aqui volto ao início…

É tudo uma questão de risco. Tal como os nossos antepassados, que aprenderam a depender da Coroa, a geração actual tem muitas dificuldades em “assumir o risco”. Neste aspecto, a vista de Lisboa é mais positiva do que a vista do Minho. Alguns exemplos. Uma das alunas mais brilhantes que tive oportunidade de acompanhar, e que vai terminar o curso este ano com média de 17 valores (a melhor de sempre nessa licenciatura), recebeu uma excelente proposta para tirar o doutoramento no Extremo Oriente. Recusou, sem ter qualquer outra proposta. Uma outra aluna concorreu a uma multinacional que se vai estabelecer em Angola e precisava de quadros qualificados. Recusou, sem qualquer outra proposta. Tenho outra aluna de Arcos de Valdevez que lamenta que Braga seja tão longe… a 40 km!

E este é o meu dia-a-dia: tentar alargar os horizontes desta geração. A geração actual tem problemas em arriscar, e muitos dos seus membros são filhos de ex-emigrantes em França, na Suíça, etc., o que torna isso ainda mais incompreensível. Muitas pessoas que moram em Lisboa referem-se ao resto do país como “a província”. Fico revoltado quando ouço essa afirmação, mas penso que, de forma acidental, acabam por ter razão.

Já fui director de uma licenciatura. Agora, voltei a ser simplesmente professor. Tenho mais tempo para dedicar a esta cruzada. A geração actual não se pode conformar. Se não encontram emprego por conta de outrem, têm de ser eles próprios a criá-lo. Recebem ofertas para trabalhar no estrangeiro e o seu inglês não é grande coisa? Aprendem com o tempo e no próprio local. Mas nada se faz sem sacrifícios e sem assumir o risco. E é disto que eu me queixo. Quando surgiu a oportunidade de tirar doutoramento nos EUA, deixei pais, namorada, amigos e fui sem olhar para trás. Tenho alunos bem sucedidos, a trabalhar por conta própria, a fazer pós-graduações no estrangeiro, a trabalhar em Angola, nos EUA, por toda a Europa (sobretudo em Espanha), em grandes empresas em Portugal. Mas todos estes têm algo em comum, que não vejo na maioria: arriscaram e estiveram dispostos a sacrificar o seu bem-estar para evitarem ser mais um número nas estatísticas do desemprego.

Gotika: Aprecio muito as pessoas que nos obrigam a pensar. Nunca deixes de o fazer…

Um agradecimento à música que contribuiu para este texto: Coco Rosie, Wim Mertens e Brian Eno.

1 comentário:

Pedro disse...

o maior problema é a Istituição chamada "Eles". Esta Instituição, multiforme, anónima, mas que exclui o "Eu", caso contrário chamar-se-ia "Nós", é a responsável pela maior parte, corrijo, pela totalidade dos problemas desta sociedade!
Concordo plenamente contigo, o maior problema NOSSO é o paralisante hábito de dependência estatal.

Outro problema é olharmos sempre para os 30 países que estão à nossa frente no rankings internacionais e não para os 150 que estão atrás. Porque se o fizessemos talvez não chamassemos depressão estrutural e beco sem saída. Ter visto o "Portugal um retrato social" ajudou-me a relativizar algumas.