quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A minha nomeação definitiva à luz da Public Choice

Por todo o mundo ocidental é habitual dizer-se mal da administração pública. Este movimento ganhou dimensão, em grande medida, pelo aproveitamento ideológico que os governos do Presidente Reagan e de Margaret Thatcher fizeram de uma corrente científica denominada Public Choice (Escolha Pública), que se desenvolveu nos anos 70 do século passado.

A Public Choice consiste, muito sinteticamente, numa aplicação de pressupostos económicos à análise política, nomeadamente, o primado do individualismo metodológico. Os defensores da Public Choice interrogavam-se: se o consumidor no mercado opta por produtos que maximizam o seu bem-estar ao menor preço, porque razão haveriam os indivíduos de se comportar de modo altruísta na política e na administração pública?

Em relação à administração pública, os defensores da Public Choice, a começar em William Niskanen (1971), argumentam que os administradores (aqueles que ocupam cargos de direcção) procuram maximizar os orçamentos dos serviços pelos quais são responsáveis, o que lhes aumenta a possibilidade de alargar o quadro de funcionários, garantindo desse modo mais poder e prestígio. Adicionalmente, como não estão pressionados por factores competitivos, os serviços públicos são pouco produtivos e abafam todas as iniciativas e capacidade de inovação dos funcionários. Em consequência, todos os indivíduos esforçados, diligentes e inovadores trocariam a administração pública pelo sector privado, ficando aquela com os piores funcionários, tanto em competência quanto em capacidade de iniciativa. Assim, os argumentos do "interesse público" ou da "vontade geral" de Rousseau não teriam aqui lugar, pelo que nunca poderíamos esperar das pessoas que se comportassem na administração pública de forma distinta do seu comportamento no mercado.

A partir destes argumentos, desenvolveu-se uma corrente ideológica de direita defendendo uma diminuição do peso do Estado na economia e, em particular, os já famosos cortes na administração pública. O aproveitamento ideológico é de lamentar, sobretudo porque não é necessário diminuir o peso do Estado, mas sim definir um conjunto de incentivos, tal como na economia, que levem os funcionários públicos a maior esforço e produtividade. Tal passaria, por exemplo, por estabelecer competição entre serviços públicos e privados sempre que possível, promover a remuneração com base no mérito atribuindo salários diferenciados consoante o desempenho e criar consequências e penalizações para os serviços e indivíduos que não atinjam os objectivos estabelecidos.

Esta longa entrada serve para um desabafo pessoal. Ao fim de 13 anos e 99 dias, assinei hoje o vínculo de nomeação definitiva na função pública. Ao longo deste período de tempo, tive três contratos administrativos de provimento (os famosos C.A.P.), em que cumpri escrupulosamente os objectivos que me impuseram. A recompensa chega agora no formato de um vínvulo mais estável, mas que demorou mais a conquistar do que a generalidade dos vínculos dos funcionários públicos. Aliás, diga-se em abono da verdade que, a carreira académica é das mais exigentes em termos de provas de aptidão para subida na hierarquia.

A versão ideológica da Public Choice prevê que, agora que conquistei a nomeação definitiva, me vou tornar num funcionário preguiçoso, apático e sem iniciativa. Mas as teorias foram feitas para isso mesmo: serem refutadas.

6 comentários:

Pedro disse...

Seu bígamo! Agora casaste-te com o Estado?

klaudia disse...

parabéns!

"(...) a carreira académica é das mais exigentes em termos de provas de aptidão para subida na hierarquia" parece-me ser verdade agora, porque de outra forma como se explicam os trastes mais antigos nas universidades? não havia outros candidatos?

Helena Martins disse...

Parabéns!

Fernando disse...

A carreira é muito mais competitiva agora do que no passado, em parte porque o número de candidatos por vaga disponível é muito maior e os seus CVs cada vez melhores.

Quanto aos "trastes" de que falas, alguns tiveram o mérito de "contruir" universidades de raiz: Minho, Aveiro, etc. E, claro, nestes casos, não havia outros candidatos...

klaudia disse...

sim, tens razão
há alguns trastes que, em seu tempo deram a sua contribuição e agora a 'casa' tem o dever de lhes dar algum asilo
sou a favor da responsabilidade social das organizações para com os seus trabalhadores, acho é que não devem ir longe demais (ambos: nem no asilo, nem na azelhisse)

klaudia disse...

a propósito de responsabilidade social nas organizações:
foi difícil engolir o que Adriaanse / FCP fez ao grande Jorge Costa, não lhe custava nada ter deixado a rapaz ficar durante mais uns mesitos